segunda-feira, 23 de novembro de 2009


Ídolos de barro do pop
22 de novembro de 2009
De como Madonna e Michael Jackson representam a fragilidade cultural de uma geração que se submete à idolatria midiática

Ricardo Anísio
Redator

Não há como negar o relativo talento de astros como Michael Jackson e Madonna. Claro que não. O que se questiona nesses tempos de vacas magérrimas é a qualidade de suas obras musicais, e jamais as suas performances no palco, ou nos vídeoclips produzidos de forma midiática infalível. Não há que se resumir a vida pop a esses dois nomes, mas também não se pode questionar que são eles os maiores símbolos de um tempo no qual a música, como arte, importa menos do que a cenografia.

A música pop nos tem legado algo mais fenomenal que esses dois astros? Certamente que não, segundo a mídia. Provavelmente sim, se imaginarmos que insuperáveis eles não o são. Michael e Madonna são os parâmetros inquestionáveis para se perceber como o Pop é mais atitude e marketing do que realmente música.

Michael Jackson tem um lastro musical mais respeitável, principalmente se levarmos em conta seus discos dedicados a Soul Music, da fase da gravadora Motown, templo da música Soul de mestres como Otis Redding, Sam Cooke e Marvin Gaye entre outros. Nos discos mais recentes de Jackson já se percebia a diluição da música negra a tombar sob as pilastras do apelo comercial. Isso sem se apresentar como uma metamorfose degradante, porque o cantor e bailarino que é, sustentava sua imagem reluzente.

Madonna não teve, não tem e nunca terá a mesma capacidade de soar viável como teve Michael Jackson. Ambos parecem suprir a carência de uma geração que viu a música pop esmorecer perante a imponência do mercado. Os números passaram a ser mais importantes do que a arte, porque se analisarmos a obra recente de MJ sem levarmos em conta seus escândalos e a quantidade de discos vendidos, não é nada que deslumbre quem está habituado a ouvir Bob Dylan, Leonard Cohen e Van Morrison, só para citar alguns ícones das gerações que antecederam o tempo dos cifrões.

Quando Michael Jackson morreu fez-se justiça ao showman que foi e ao cantor de grandes recursos, mas não houve honestidade quando se debateu sobre sua música, sobre seus discos. Ela estava decadente em relação a sua fase áurea na gravadora Motown, embora cantando com mais técnica. Dentro do contexto da estética pela estética não nos debateríamos com dramas de consciência ao constatar que ele havia despencado. Música é arte, não é produto.

Simbolismos não abastecem a arte. Muito menos números. Então detectaremos a deficiência musical de Michael perante músicos como Neil Young e Lou Reed, ou mesmo diante do eternamente jovem Paul McCartney e do ousado Tom Waits. Estes fazem música, e à ela adicionam poesia. Não há poesia nas letras de MJ e muito menos nas de Madonna, maiores símbolos pop de duas décadas para cá. E há muito ritmo e rara melodia. Talvez eles tenham sido a transição entre a música Soul e o Pop, e por isso estejam em patamares numéricos de rara dimensão.

A fragilidade dos tempos musicais impele-nos a uma sagração exagerada. Porque os códigos que levam milhões de pessoas em todo o mundo a se descabelar diante do palco-templo de Madonna não são os mesmos que levaram muita gente a Woodstock para ouvir extremos como a eletricidade de Jimi Hendrix e a suavidade de Joan Baez. Uma guitarra ensandecida e uma voz lírica engajada. Um tempo em que a música como Arte se sobrepunha a música como Produto.

Desconhecer os valores do Michael Jackson como homem-espetáculo e cantor, é ignorância. Mas é ignorância também não vislumbrar sua musicalidade sem grandes maravilhas. Na verdade ele compunha pensando no que poderia ser coreografado, e assim não conseguia surpreendentes frutos musicais.

Em Madonna ainda se percebe mais claramente que a mídia afeita a gestos chocantes e entrevistas inusitadas, se curva ante o imperialismo. O mundo dos números, do glamour, das luzes e dos dançarinos, fez o público perder a capacidade de discernir o que é arte e o que é espetáculo enquanto produto. Assim morreu Michael. Envolto em números. Fazendo piruetas, dando gritinhos sensuais e segurando a genitália. Nada de que se orgulhar ou envaidecer. Apenas a lembrança de um excelente cantor que preferiu ser uma mistura de Fred Astaire com James Brown, e sucumbiu ante a própria inquietação humana.

Se os números nos bastam, então vivas ao Pop! Mas se é arte que queremos, devemos seguir os passos de Iggy Pop e Elvis Costelo para não perdermos de vista os conceitos maiores do que a música possa dar como contribuição estética, sem apelos ao redor. E recorrer aos discos clásssicos de Janis Joplin, Joe Cocker, David Bowie e Brian Ferry. Tudo vale a pena se a arte não se travestir de produto.

Fonte: A União

Nenhum comentário:

Postar um comentário